Abantomisay, a aldeia perdida do embondeiro
Esta aldeia é tão pequena e insignificante que não aparece no mapa, e como me foi comunicada sempre oralmente nem saberei com total certeza se será assim que se escreve. Quando digo pequena não terá mais que 30 palhotas, se tanto.
Como se chega aqui? Descendo de barco durante dois dias o rio Tsiribihina em Madagáscar.
Sabemos que chegámos pelo embondeiro espetado ali ao lado do cais de embarque que com o nível das águas durante a época navegável, serve para pouco mais que ir lavar a roupa. Aqui o calor abunda, os bancos de areia abundam cada vez, as crianças seguem o mesmo padrão. Esta é mais uma daquelas aldeias longe de tudo e de todos e dependente de um rio. Possui só uma escola primária que é pouco mais que 4 estacas, um telhado de zinco, um quadro e uma mesa. Aqui com o passar do tempo sinto-me cada vez mais integrado, as crianças e adultos já me conhecem quase como se fosse o tio vahaza (branco, estrangeiro). Aqui fala-se a língua do afecto e da brincadeira, aqui a escola por mais raquítica que seja, é valorizada e é-lhe dada toda a importância.
Aqui todo o recurso é pouco à nossa escala. Aqui prolongam-se tradições musicais e de dança com um pequeno grupo de crianças que é ensaiado por um dos anciões da aldeia. Aqui somos acolhidos por sorrisos e boa disposição desde o primeiro pé em terra, somos abafados por abraços, gargalhadas, saltos e pinotes, aqui somos novamente humanos de pessoas para pessoas, longe da azáfama da desconfiança citadina, aqui interessa estar com eles, com nós mesmos. O burburinho é grande, tudo passa depressa mas com a intensidade avassaladora que nos faz dizer, mas como? Como com tão pouco, de alguma forma se dá tanto? Como se digere? Com tempo?
Como é brutal, o poder contemplar o talento daqueles miúdos, como é tramado sentir que o talento vai ficar ali sem mais ninguém o apreciar. A vinda aqui é um constante repensar do que fazemos com a nossa vida, com os nossos talentos, como nos damos com os outros.
No regresso ao barco já ao fim da tarde, já não somos os mesmos, eles acompanham até à margem e ao afastarmo-nos fica a silhueta do embondeiro, da palhota e dos miúdos que dizem “veloma” (adeus em malgaxe).