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Até já, Madagáscar!

Nas próximas linhas faço a minha despedida a Madagáscar, por este ano, a partir do que vejo pela janela.

Homens jogam dominó sorridentes sob um alpendre mal amanhado.

Muitas mulheres lavam roupa ao longo do rio.

Homens carregam sacos e sacos de carvão à cabeça.

As plantações estão feitas e organizadas, há trabalho feito por todo o lado, fábricas artesanais de tijolo vermelho que servirão para a construir a casa do próximo filho da família a emancipar-se.

Parte da malta na carrinha dorme no embalo dos buracos.

Subitamente ouve-se um “Yeka” de dentro de uma tenda de venda de petiscos malgaxes.

Olho lá para dentro e vejo que o Yeka Man está sorridente a acenar.

Bicicletas para lá e para cá.

Campos de milho, tabaco, mandioca, batata e batata doce e arrozais, ora já repicados ou ainda aquela mancha densa verde fluorescente do viveiro.

Bancas de venda de camiões de madeira que se costumam oferecer aos miúdos após a tradicional circuncisão.

Três miúdos treinam dois galos para serem galos de combate, muitas vezes uma esperança de enriquecimento rápido e fácil.

Homens passam em bicicletas carregando instrumentos a caminho de mais um Famadihana. Celebramos os mortos, entes queridos, com muita festa, bebida, comida e dança. Trazendo os corpos envoltos em mortalhas para fora dos túmulos enquanto se dança, se ri e chora.

Vida… ah, vida.

A polícia manda parar fazendo o controlo habitual que tanto empata o processo da viagem.

Ainda no rio que nos acompanha, um miúdo brinca com um barco de plástico inventado por auto recreação.

A linha de comboio segue com kms de carris abandonados à espera do comboio que já não passa.

De quando em vez os jardins particulares emanam cor das buganvilias rosa e salmão.

Mais camiões de madeira para crianças.

Roupas a secar pousadas nas encostas da linha de comboio.

Ao longe um bando de garças brancas voa em direção a um arrozal.

Uma mãe abraça o seu filho de uns 5 anos e fala-lhe com um sorriso e carinho no olhar.

Um carro de zebus em sentido contrário dá sinal para os jipes que vêm atrás para abrandar e nos deixar passar.

Uma bicicleta passa com uma família, pai a pedalar, filho sentado no quadro à frente e mulher no acento de trás.

Uma mulher passa a pedalar sozinha, algo não muito comum, mas que se começa a ver aqui e ali.

Uma estação de comboio abandonada.

Uma tenda de reparação de bicicletas.

Pinheiros, casoarinas e eucaliptos pontilham a paisagem, seguindo os mesmos erros que nós estamos a fazer na nossa florestação.

Passa mais um carro de zebus no meio da estrada, seria inconcebível na europa os carros de bois circularem nas cidades e vias principais de comunicação.

Lixo nas bermas de estrada, num país com tantas necessidades de saúde e educação, a educação ambiental ainda não chegou cá.

Há cá de tudo e tudo faz falta.

Menos sorrisos, sorrisos são genuinamente aos milhares, embrulhados nas pessoas mais simples, afáveis e empáticas.

Posto de venda de instrumentos musicais malgaxes.

Casas e casas de tijolo vermelho que vêm desta ilha de terra encarnada, onde o povo enrijece o corpo e as carnes de forma dura e fisicamente exigente trabalhando tudo à pá.

Passas e dizes “Salamô” a um miúdo que passa, levas um adeus e um sorriso para a viagem.

“Gargotte, gargotte, gargotte, gargotte par tout. Ah, salle de musculation”.

Lojas e lojas com publicidade pintada com mestria nas fachadas.

É domingo, pessoas engalanadas e vestidas de forma aprimorada vêm na estrada depois da missa.

Dizes adeus e levas com um sorriso e um arregalar de sobrancelhas sorridente.

O Ando o motorista leva uns óculos escuros novos, vinha com um olho rebentado, precisava de proteção para a vista.

Um grupo de minorcas conduz um pequeno grupo de vacas.

Um camião à nossa frente faz-nos rolar mais lento.

Uma ponte a ser construída.

Mais uma família de três numa bicicleta.

Um casal idoso passa de bicicleta, a senhora vai sentada  com as pernas para o lado da forma mais clássica.

Um adulto tenta desenrascar-se pedalando numa bicicleta de criança.

Várias carrinhas passam com caixões no tejadilho e uma bandeira de Madagáscar a assinalar o transporte do falecido.

Uma senhora lava os seus pés e pernas após o trabalho na terra. Este é um dos maiores hábitos de higiene dos malgaxes.

Uma bandeira no topo de uma casa em construção assinala que a estrutura base está terminada.

A estrada parece uma manta de retalhos.

Uma t-shirt laranja com a cara do atual presidente, Andry Rajoelina, a secar. Há 4 anos foram distribuídas largos milhares de t-shirts que hoje em dia continuam a ser usadas. Quatro anos de omnipresença por todo lado. Estamos na eminência de um novo escrutínio eleitoral e tudo parece mostrar que vai ser um processo quente. O presidente atual, emitiu uma ordem que só ele pode fazer pré-campanha, o que tem provocado a revolta dos outros 12 candidatos, estando a começar processos de manifestações de desagrado nas ruas, vigiadas pela polícia e forças militares que às vezes têm já recorrido ao uso de gás lacrimogéneo.

O que vem aí?

Mais que nunca, este povo vai precisar da nossa visita.

Homens jogam à petanca numa praça no meio da estrada. Já foram campeões do mundo.

Abamtolampy, paragem técnica.

A viagem continua em direção a Antananarivo.

Carros e camiões avariados parados na estrada, não há serviço de reboque, ou arranjas tu ou esperas que alguém venha arranjar. Saber esperar em Madagáscar é uma arte, seguida religiosamente ao ritmo do mote “Mora Mora” (doucement, doucement).

Aqui tudo demora, os acessos, as estradas estão cada vez mais esburacados embalando-nos num acelera-trava constante.

Tudo é lento menos a intensidade do trabalho no campo, ao longo dos extensos kms de paisagem trabalhada com força de braços e uma pá. Aqui só não é mais rápido porque não há máquinas para fazer o trabalho. Mal se veem tratores, e o cenário de produção agrícola apesar dos largos kms vê-se escassa para uma população que cresce galopantemente ao ritmo de 700 mil novas crianças por ano.

Galhos e ramos pousados na estrada avisam que há carro avariado à frente, substituindo o triângulo.

Antananarivo 55 km.

Casas com janelas fumadas indicam uma cozinha com o lume frequentemente aceso e à partida uma família que terá comida na mesa.

Miúdos não mais de 7 anos recolhem galhos de madeira para levarem para casa.

Vivemos numa realidade que um salário mínimo não chega a 50 euros, a botija de gás é escassa, pouco disponível, ascende a 30 euros, o carvão vegetal, o desmatar e queimar, o recolher lenha são sinal de sobrevivência e não de agressão ambiental.

Carrinhas de transporte passam apinhadas, onde cabem 9 vão 20.

Em contraste com a falta de demonstrações de afeto entre namorados e casais fora das 4 paredes, é bonito observar como muitas vezes nos casais que passam de mota, existe algo mais que um agarrar o que conduz.

Há o agarrar, um encosto de cabeça e um sorriso, sempre um sorriso.

No meio de todas adversidades enfrentadas por este maravilhoso povo, sinto que eles se movem sob a energia mágica, potente e positiva do sorriso. Às vezes está a doer, e lá vêm eles com um sorriso que te desarma, impacta e te recarrega.

Um cheiro a incêndio entra com a brisa que corre dentro da carrinha.

Acabei de ver um Hotely (tasco local, e não um hotel) com o nome da minha avó materna Lídia.

Ela continua a estar no meu caminho, talvez pela proximidade na minha infância, uma das mulheres mais influentes da minha vida.

Na berma aparecem goiabeiras.

Em baixo no vale, um grupo de crianças pesca num arrozal usando uma rede mosquiteira. Capturam pequenos peixinhos, parecidos a gambusias, que depois são fritos e comidos à colher.

O malgaxe come com colher e garfo. Tradicionalmente tudo é servido já pronto a ser comido assim.

Tudo?! Os que pouco têm, comem arroz com arroz, os que vão podendo lá comem um pouco de galinha, porco, ou excepcionalmente zebu.

Posto de venda de estatuetas de gesso, santinhos, leões à Sporting e águias à Benfica.

Uma casa cuja fachada está decorada com inúmeras impressões digitais de muitas mãos. Na janela do canto superior do primeiro andar da casa dois miúdos espreitam curiosos.

Quantas vezes fazemos por deixar a nossa marca no nosso universo?

O que fazemos com as nossas “impressões digitais”?

Volto ao sorriso malgaxe como a impressão digital mais identitária deste povo.

Pelo menos a que vai mais impregnada em mim.

Posto de venda de artesanato de ráfia.

1,2,3,4.

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