Esperam por ti
No post anterior do blog falei da linha de comboio FCE de Madagáscar. A história desta imagem remonta a uma das viagens nessa ferrovia.
O comboio partiu à hora, como quem diz 7:00 ou 7:30 da manhã. Estes horários nunca são garantidos, começar bem uma vez que estamos a falar de uma linha de comboio terminada em 1936, e que de manutenção tem muito pouco. Algumas das carruagens velhas ainda reportam no seu interior a estações de comboio, se não estou em erro da Suíça, onde se podem ver também fotografias dos Alpes. Por momentos caímos na ilusão de fazer uma viagem no tempo e noutro continente. Mas olhando para as pessoas em volta caímos na realidade de um país que como muitos outros está assim, quase parado ou que anda à velocidade deste comboio que, no mínimo, em dias bons, demorará 12 horas a fazer 163km, ou em dias maus 21 horas ou mais, como aquele dia em que estive parado 7 horas na segunda estação, mas que tudo se resolveu na perfeição. Aliás em Madagáscar, há uma expressão “mora mora” (lê-se mura mura) que é sendo equivalente ao “leve leve” santomense – diz-nos que não adianta ter pressa.
Essa é uma grande lição para os dias que correm na atualidade, em que somos obrigados a parar, a não ter pressa, ou que a única pressa que nos vem à cabeça é que surja a cura desta COVID-19, de resto abrandemos.
É normal que um viajante, que se coloque a fazer esta viagem de comboio em carruagens arejadas e nada confortáveis, que ao fim de algum tempo desanime e gostasse que a viagem terminasse rapidamente, chegando ao destino num estalar de dedos, sobretudo a partir das 18:30, quando cai a noite. Até a essa hora os turistas e os passageiros locais vão saindo constantemente em cada paragem uma vez que no mínimo estaremos ali em pausa cerca de 30 minutos. Ao sair podemos conhecer as pessoas todas da aldeia que estão ali em peso a tentar fazer negócio. Mas ao cair da noite, o medo e a desconfiança apoderam-se da maioria dos turistas, e sempre que o comboio avaria ou atrasa, os habitantes e vendedores das aldeias, quando chega a noite ficam com a sua subsistência hipotecada, uma vez que as vendas serão sempre mais reduzidas.
É nessa altura que o nosso medo e desconforto têm de ser ultrapassados, descer da carruagem, interagir, conhecer mais um ou outro malgaxe, e eventualmente provar uma iguaria ou comprar umas especiarias para mais tarde temperarmos e apimentarmos os nossos pratos em casa. Todos ficamos a ganhar: eles que subsistem e nós que ao comer algum alimento nos vamos lembrar de onde e como vieram aquelas pimentas.
Nesse momento noturno da viagem o meu pensamento está sempre com aquelas pessoas que, seja meia noite ou uma da manhã, ficam ali até o comboio passar… porque com velas, ou pequenas lanternas, elas esperam por ti.